quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Balança Comigo

Sinto que tenho o peso da vida de outrem numa mão e a verdade da minha vida noutra. Toda essa balança desproporcionada está a ceder e eu confesso que não sei o que faça com ela ou para que lado ela vai tender. Se tiver realmente ao meu alcance mudar o que tu queres tomar como teu, sendo que eu sei o que está em jogo, então continuarei na mesma incerteza de não saber o que fazer. Não quero condenar nada, mas os pesadelos assolam-me tentando espicaçar-me a escolher.

- Por favor, tira a corda que teimas em colocar ao pescoço. Ainda que não te importes com isso, ela está a começar a apertar-te e já me estrangula a mim também.

- Por favor, não voltes a apontar essa arma que tanto atira na tua direcção como na minha.

- Por favor, não voltes a deixar de respirar por muito tempo que me sinto a perder o folgo contigo.

- Por favor, não te voltes.

Não te voltes para que não vejas a minha cara de terror enquanto avanças dizendo que pelo menos esta será a tua escolha (nem que seja a última). Não me digas que agora te posso chamar mais vezes egoísta porque até não deixo de ter razão. Contraria-me! Contraria-me como fazes sempre!... Contraria todas as vezes que precisares, mas apenas não numa: não o faças!

É que eu acho que há algo que ainda não entendeste: os teus problemas já não te pertencem tão só e exclusivamente a ti e a tua sombra tem traços que já são mais meus do que teus. Tu cais e vou contigo; e, pelo contrário, se te elevares um bocado, arrastas-me contigo para uma vertical que todos anseiam. E eu não entendo porque chamam a isto amor quando dizem que só se pode amar uma pessoa verdadeiramente. Eu amo muitas. Amo muitas e muita coisa e se não é a isso que chamam amor, eu trato-o assim. Se tiver, para isso, de o identificar com maiúscula, até com nome próprio eu o trato que não quero ofender ninguém. (Se podem chamar Gisela a uma carrinha, eu posso chamar a um sentimento Amor, seja lá o que ele for). Assim sendo, Amor fez com que eu te dissesse um dia:

- Não o faças!



*

Não me vou desculpar se te deixar cair. (Mas a balança pesa demais.)

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

E se não houver Cavalo de Tróia?

Chove lá fora e ainda a água não molhou a terra e já os meus pensamentos divagam. Talvez a chuva não esteja para lá da minha porta, talvez haja uma tempestade mais perto de mim do que a minha mão da minha testa. (E dói-me a cabeça, dói-me tanto a cabeça).

Relembro (…)

Relembro agora as coisas que nunca tive e chove.

Relembro agora as coisas que tive e faz saudade.

(Que saudade!...).

Saudade da altura em que sentia que te podia dizer qualquer coisa; saudade do dia em que sentia que podia chorar ao teu lado e explicar-te o que estava a acontecer comigo, que houve um dia em que, sentada ao colo dele lhe puxei um caracol da cabeça e lhe disse que o adorava antes que o caracol voltasse a enrolar para a sua nuca. E ele, nesse dia como em tantos outros, retribuiu com um olhar luminoso e um sorriso que parava toda e qualquer chuva. Agora são só lembranças daquelas que não tento esquecer por serem tão belas de serem relembradas, mas tão cruéis por não poderem ser revividas.

Mãe, tenho medo que chova e tenho medo que faça sol. Agora tenho medo que faça sol porque já sei que o sol não brilha para sempre e que ele se apaga e fica enublado e chove e eclipsa. Mãe, e se não houver Cavalo de Tróia que tape o Sol mal eu adormeça? E se eu tiver medo de abrir a porta ao Cavalo por o achar tão belo, por ter medo de o perder ou dele se tornar outra coisa completamente diferente? Mãe, e se não houver Cavalo de Tróia e eu agora, com medo, deixar o cavalo fugir?


*

‘Where did I go wrong, I lost a friend
Somewhere along in the bitterness
I would have stayed up with you all night
Had I known how to save a life’
- The Fray

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Norte - Sul - Este - Oeste

Tem a coragem de subir a um monte alto e gritar. Se queres um conselho: grita alto, grita muito alto já que um grito nunca é alto demais se atingir os decibéis certos (e tu já definiste bem quais são os teus).

Agora tem a decência de descer desse monte alto onde te tens mantido e vê como o rio corre. Por mais que aches que consegues, a água corre sempre num único sentido e tu não a podes mudar. Ela flui e insensata e tresloucadamente vai morrer à foz. E é essa mesmo a maior inutilidade da força humana: não conseguir mudar o rumo desse belo e cruel rio que, satisfazendo o seu prazer egoísta, se enrola e desenrola, finta e embate contra as pedras afiadas ainda não polidas pela própria água. O que nele passa, passou, e a força que fazes para te agarrar e o deixar fluir sozinho é mágica e linda mas apenas serve para atrasar o inevitável; mas agarra-te com força! (Lutar nunca foi insensato mesmo quando sabes que pouco altera, se lutares com força e pelo que realmente acreditas!).

Agora vai à diminuta vila que fica a meio do monte. Nota aí que a quantidade pode nada ter que ver com a qualidade principalmente quando há uma união eminente na qualidade do que é nosso e assim fica até que o grito se esgota e o rio vá desfalecer à foz.

Mantêm-te aí enquanto puderes!

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Vinho

Eu cheiro a vinho sem ter bebido uma pinga alcoólica; embriaguei-me sem tocar em nada e o cheiro persiste mesmo depois de esfregar violentamente a minha pele. Passo constantemente a cara por água gelada, já não sei se para tirar o cheiro se para tentar entender se tal imenso fedor pode vir mesmo de mim.

Estar assim não é minimamente agradável quando o vinho é rasca e com um cheiro odioso fixado a quem nunca quis ficar assim. Estar assim só afasta quem não devia conseguir sentir o cheiro nojento a vinho podre já que o que fica demasiado tempo sem ser desejado sempre se estraga e fede.

Não me quero deixar beber.

sábado, 24 de abril de 2010

Ausente

Larguei por não sentir mais onde agarrar. Por puxar com tanta força que deixei de sentir tudo e qualquer coisa onde levemente passe a mão (também porque de outra maneira ela não podia passar de tão dorida que está de lutar pela vontade do órgão mais egoísta do corpo – o coração).

Assim não vale a pena.

Parto agora com medo de avançar por chão frio e desconhecido mas tendo que o fazer porque nada é mais masoquista do que continuar onde não se pode mudar nada e nada do que existe nos agrada. Avanço numa outra direcção quando a anterior já não me diz nada, ou quando me diz tanto que me encandeia as emoções ludibriando os meus sentidos e sentimentos e querendo-os todos para si, qual egoísmo de quem quer tudo para nada distribuir.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Religiosamente Mentimos

A parte boa da mentira é reinventar a verdade. Mas a melhor parte da mentira é não ser verdade. Porque se soubesses o quanto dói uma verdade contar-me-ias, baixinho e ao meu ouvido, milhares de mentiras. E eu recordaria cada ‘adoro-te’, ‘quero-te comigo’ e ‘nunca vou deixar que nada de mal de aconteça’ como verdade. Sim, porque a mentira é uma boa verdade quando, com muita força de vontade e imaginação, a queremos como tal (e eu quero!).

Se não me queres mentir, afasta-te. As tuas verdades são demasiado duras; as tuas verdades são demasiado negras para cobrir o dia alegre que eu me esforcei por pintar com as cores mais bonitas e falsas que encontrei.

Mente. Mente e faz da mentira a tua própria verdade para que ela possa recriar os teus dias e afastar os teus medos.

(Afinal de contas, não foi para isso que criaram a religião?)

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Desejo que nunca coloques Botox

Apercebi-me que não é à toa que se fala numa ligação, pouco científica, entre rugas e sabedoria quando o teu rosto rasgado de linhas enterradas como as tuas ideias velhas esboçou um pequeno riso. ‘Gastas demasiada energia em explicar tudo e a tentar passar o teu conhecimento e ideias aos outros. Às vezes é bom deixar as pessoas caírem em vez de tentares explicar que estão a prestes a tropeçar’ disseste. Tentei fazer-te compreender que gostava demasiado dessas pessoas de que falavas para deixar que elas caíssem e se magoassem. Que iria fazer tudo o que pudesse para não ter que as levantar depois da queda e para, em vez disso, tentar impedir que houvesse sequer a possibilidade de ficarem com um mínimo de mazelas. Gesticulei que não me sentia capaz de desistir de ninguém de quem gostava. (Antes desistir de mim…).

Calmamente concluíste com um seco ‘tens razão’. Tinha?! E para mim a questão agora nem era tanto se tinha ou não razão, era desde quando é que admitias que não eras tu, meu velho teimoso, que tinhas a razão do teu lado poeirento. ‘Quis que me dissesses isso mesmo. Quis que me contradissesses como, e não apelando à tua originalidade de pessoa nova e com demasiadas ideias, o fazes sempre. Fi-lo para que tu mesmo pudesses ouvir porque é que não podes desistir. E ao contrário do que disseste, nem mesmo de ti; se desistires de ti não terás força nem a mínima possibilidade de lutar pelos outros. Às vezes exteriorizar ideias, razões e sentimentos, torna-os mais reais, e era isso que eu queria que acontecesse para que te ouvisses a ti mesma. (Devias fazê-lo mais vezes minha pequena). Se não o fizesse por esta razão, fazia-o simplesmente para te ouvir a debitar argumentos para me fazer concordar com a tua opinião de novata. Agora não te habitues que concordar contigo não tem tanta piada!’. Revirei os olhos e disse apenas que eras um velho vingativo. Tu sorriste e eu odiei ver que, mais uma vez, e quando ironicamente era eu que tinha razão, acabara por concordar contigo.


*

'É sempre preciso criar pó para deixar polido’

mushroom’zeni

(23.Janeiro.2010)