quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Eco da Concha

Era tarde demais para voltar para trás e tarde demais para pensar nas consequências que teria que enfrentar se alguém lá em casa descobrisse que não estava onde era suposto (a verdade é que já há muito tinha saído de onde era suposto sem ter mexido um único pé).

O carro não conseguia, por mais que acelerasses, andar mais rápido que do a minha imaginação. E apesar de teres tido a audácia de tentar fazer-me conhecer as mudanças do carro, tal esforço teve um só resultado: de mudanças conheço tanto quanto conhecia antes, ou seja, pouco ou nada; no entanto, passei a conhecer bem melhor as tuas mãos. Depois, talvez por mecanismos de acção - reacção dos mais estúpidos e inúteis nos seres humanos, deixaste-me literalmente sem graça. (Tenho noção, por isso, que disse umas quantas barbaridades durante o caminho, nunca por ti denunciadas).

O cheiro a maresia misturava-se agora com o teu perfume e as bocas e comentários maldosos que nós fazíamos um ao outro rompiam mar dentro e inundavam esse tão poderoso oceano. Apenas uma coisa parecia errada: o céu estava completamente tapado por nuvens negras e escondia os minúsculos pontos de luz de enorme carga romântica. Ainda assim, caminhámos. Caminhávamos e falávamos. Falávamos e aproximávamo-nos. No entanto, parecia sempre que algo inexplicável nos impedia de avançar, como que se uma barreira transparente se edificasse entre nós e nos bloqueasse alguns movimentos.

Decidimos sentir o toque da areia nos nossos pés e foi quando nos sentámos e olhámos o céu que descobrimos que todo o imenso tecto que testemunhava aquele momento estava coberto de maravilhosos e reluzentes pontos de luz esbranquiçada. Eram agora esses pontinhos que contrastavam perfeitamente com o sublime preto que os abraçava e que completavam a música harmoniosa que servia de pano de fundo àquele momento, o som do mar.

- Afinal sempre consegui fazer com que o céu ficasse como tu querias – disse ele, enquanto sorria e contemplava o céu.

Já nada parecia errado. Até o céu parecia querer aquele momento. E, naquela altura, todos os sons, cheiros e cores pareciam estar unidos numa dança harmoniosa em volta dos nossos corpos estendidos na areia. Nada parecia poder ser diferente, questionável ou desnecessário. Era tudo perfeito.

*

(Acho que foi só quando cheguei a casa que me apercebi da possibilidade do céu, por mais deuses que pudesse conter e por mais poderosos e honestos que esses pudessem ser, me estar a mentir.)

*

Tentava desmembrar agora todos os teus gestos e palavras à procura do que era sincero e real, tentando reconhecer distintamente o que era apenas ilusão e mentira criada para aproveitares o momento da melhor maneira. Quanto mais avaliava o que se tinha passado, mais duvidava das tuas reais intenções. O céu podia realmente ter mascarado, na altura, aquele momento, mas eu, do meu quarto, já não o via e, por isso, já não estava (supus) sob o efeito das suas manhas!

Foi quando viraste a cara, naquele dia, arrastando o teu sorriso do céu estrelado para mim, que viste mais do que os meus olhos brilhastes; viste a mulher que queria agora, de ti, mais do que o teu lindo sorriso. Os teus olhos deixaram de sorrir e focaram a minha boca. Avançaste sem medo. Entendo agora que não o fizeste porque sabias o que querias, mas sim porque sabias exactamente o que fazer. O teu gesto não estava preenchido com desejo, estava impregnado com experiência e sabedoria de quem sabe que não vai ser rejeitado. Mecanicamente fizeste aquilo que sabias que devias, na altura propícia ao acontecimento. Programaste-me perfeitamente para obedecer aos teus estímulos e até o céu enganaste. Como marioneta envenenada, eu ia correspondendo … até que o telemóvel tocou. Já estava atrasada.

Quando nos despedimos no teu carro, tu sabias que eu ia ter que viajar em breve e que ia lá ficar uma semana ou mais. Tentei persuadir-te a passares por lá um dia, já que sabia que tinhas liberdade e recursos suficientes para o fazeres. Em vez de te mostrares entusiasmado com a ideia ou de me dares uma desculpa para não o fazeres, limitaste-te a dizer o quanto era “complicado”.

*

Da varanda do meu apartamento conseguia ouvir o mar a ir de encontro às pedras; depois de matar a sede às rochas afastava-se, voltando, mais tarde, a fazer o mesmo. Esse mar já não surpreendia as rochas, mas estas, apesar de tudo, nada podiam fazer senão voltarem a ser acariciadas e abandonadas repetidas vezes. O som que este mar emitia já não era agradável, era apenas incomodativo. E era esse som que se tornava mais intenso à medida que eu olhava e fixava as estrelas minúsculas e frágeis daquele céu cor de alcatrão. Compactuando com a repetição do som, o volume aumentava aos solavancos. Quando o barulho era já quase insuportável o meu telemóvel tocou, impedindo-me de ver as estrelas a serem engolidas pelo negro do céu e hipnotizadas pelo som repetitivo daquele mar imenso e intenso, mas vazio de esperanças (pelo menos as minhas nele tinham desaparecido). Eras tu. Querias saber quando voltava para estarmos juntos. (Pelo menos aquele mar já não me parecia mentir). Atirei o telemóvel para o lado e obriguei-me a dormir enquanto ecoava na minha cabeça o som repetitivo e estranhamente incomodativo do mar.

Nunca mais voltámos a estar juntos.

*

Chegou a um ponto em que, quanto mais respiravas, menos eu bebia as tuas palavras. E há de chegar a altura em que, após ressaca, o bêbedo começa a ter novamente a sua total capacidade de raciocínio.

mushroom’zeni

(Início: 10.Novembro.2009;

Fim: 20.Novembro.2009)

A vida não é eterna, mas tu és

O que mais custa aprender é que a vida não é eterna, as lições são finitas e o tempo é escasso. E passamos a vida toda a tentar aprender a lidar o melhor possível com estes factos, quando sabemos que é impossível tirar nota máxima neste teste.

Não Desapareceste

És prova de que um simples passo pode decidir o futuro de muita gente. Algo aparentemente inocente pode desfazer a vida de muitas pessoas. Um gesto pode mudar o rumo de meio mundo (ou de mundo e meio, quando a globalização chegar a tanto). Um salto pode ser o salto da tua vida ou pode ser um salto para o abismo escuro e espinhoso.

No entanto, também és prova que não existe vida eterna, mas que, apesar de tudo, a memória pode perdurar até a eternidade se finar. E é só quando a eternidade se finar que o brilho do teu sorriso vai morrer com ela. Só quando ela se retirar é que os teus passos vão parar de ecoar. Só quando já não houver eternidade é que a serenidade dos teus olhos se vai tornar demasiado calma até estagnar mortificada. E vai ser só quando eu caminhar invariavelmente para o único sítio de onde nunca vou conseguir sair, é que os teus caracóis vão parar de se enrolar nos meus dedos para voltarem, tímidos, a enrolar para perto da tua nuca.

Infelizmente abusas da palavra ‘saudade’. Não me lembro de outra vez onde esta palavra me fizesse tanta companhia e emoldurasse tanto os meus passos, cercando-os e apertando-os, como agora. É ela que me espreme até saírem lágrimas e mais lágrimas; começam tão quentes que queimam a minha cara e a secam de tão salgadas que são, até passarem a ser tão sem sabor e gélidas que marcam quase tanto como as memórias de tenho de ti.

Confesso agora que te enganei quando te dizia, na brincadeira, que ‘não és assim tão grande’. És muito grande! És assim tão grande principalmente porque nunca te chegaste a aperceber do teu real tamanho. E acredita que quem ficou a dever alguma coisa não foste tu, foram os outros. O que ficou por pagar foram migalhas. No entanto, o que deixaste foram, para além de toneladas de saudade, barras de ouro a quem as soube aproveitar. (Eu teria pago bem mais por ti!...)

Serás, para sempre, braço da minha balança invertida. Serás, para sempre, família que escolhi. Serás, para sempre, parte da minha vida. Terás, para sempre, não só um espaço no meu coração mas em todo e qualquer órgão do meu pequeno corpo (conquistaste-os a todos sendo apenas tu próprio). Carregar-te-ei para onde quer que vá. Vais estar sempre comigo, até porque esse é o teu lugar desde que te tornaste na pessoa especial que és para mim.

Relembro, mais uma vez, quanto te ouvia dizer ‘adoro-te priminha’…

- Adoro-te priminho!

(Para Sempre!)

Inez – Priminha de Ruben

15. Novembro. 2009