
(01.Dezembro.2009 - Feriado)
Delírio, loucura, verdade ou imaginação?
As paredes rachadas pareciam emanar um cheiro a podridão e chorar de tristeza de tamanha desumanidade que ali se vivia. O ar era húmido e estranhamente pesado. Tão pesado era o ambiente por ali que os tectos curvavam teimando em aguentar o peso de muitas chuvadas. Esses tectos ameaçavam ceder e o ângulo vertiginoso que faziam deixava bem claro o esforço que aplicavam para declinar essa hipótese. Mesmo velha e pequeníssima, a casa alojava uma família aparentemente normalíssima, feliz e monetariamente segura. Feliz era provavelmente; não me lembro de conhecer muitas mais famílias tão unidas como aquela. (E como era bonito ver o irmão, meu amigo, a cuidar da irmã mais pequena, enquanto era acarinhado pelas mais velhas!). Uma família monetariamente segura é que era, somente, uma fachada criada com roupas de marca, telemóveis caros, vários computadores, relógios… Manter essa fachada custava-lhes e conforto de chegar a uma casa com o saneamento completo e quartos que não fizessem transparecer o tempo que se fazia na rua; mas nunca lhes fizera perder a vontade de mudar esta situação.
Eu encontrava-me chocada porque esta não era, de maneira nenhuma, a situação que eu esperava encontrar na casa do meu colega que há anos me acompanhava na vanguarda da tecnologia informática.
- Obrigada por confiares em mim. – disse-lhe, tentando esconder o facto dos meus olhos estarem a ver agora apenas metade do que via antes devido às lágrimas que se acumulavam nos meus olhos mas que eu teimava em não deixar partir. (Deixei que as paredes húmidas, continuassem a chorar por mim, como se notava que faziam há décadas.)
Como eu racionalmente já esperava, ele incomodou-se com o facto de poder perder o pouco que ele e a família ainda mantinham para além do amor incondicional, a fachada.
- Por favor, não contes a ninguém.
- Não me parece justo que tenham que fazer um esforço tão grande para esconderem o que se passa na vossa família.
- Não nos parecia justo era termos que ser julgados por não termos o mesmo do que as pessoas que moram no outro lado da cidade.
- Mas isso faz com que tenham que renunciar a tanto!...
Ele manteve-se em silêncio, olhou em volta e apoderou-se do meu ombro. Foi ele que primeiro chorou e as lágrimas que dele caiam pareciam balas sobre mim. Dei-me ao luxo de chorar também e apesar de, a certa altura, as lágrimas de ambos se terem juntado numa queda vertiginosa para o chão rachado, eu conseguia perfeitamente distinguir quais eram as dele. As lágrimas daquele meu novo herói faziam um barulho estrondoso assim que chegavam ao chão ou me encharcavam tal era o grito que ele tinha acumulado durante anos.
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‘A verdadeira riqueza mede-se pela soma
da qualidade e quantidade de amor que se conquistou’
mushroom’zeni
(01.Dezembro.2009)